
Bancos de DNA
Na primeira década do século XXI, um convênio firmado entre o FBI e a Polícia Federal concedeu à polícia brasileira permissão para o uso do software Combined DNA Index System (CODIS), viabilizando os procedimentos de coleta e armazenamento do material genético de pessoas condenadas ou investigadas no Brasil.
Em 2013, o Decreto Presidencial n. 7.950 instituiu o Banco Nacional de Perfis Genéticos, com o propósito de armazenar e comparar amostras de DNA de pessoas investigadas, pessoas condenadas e vestígios biológicos encontrados em locais de crimes.
A partir de 2019, o Ministério da Justiça e Segurança Pública iniciou um processo rápido e abrangente de coleta de material biológico no sistema prisional, com o intuito de promover a expansão do banco de DNA brasileiro. Os corpos de presos e presas converteram-se na principal fonte de abastecimento do complexo tecnocientífico constituído pelas bases forenses de dados genéticos.
Orientadas pelo pressuposto de que “determinados criminosos tendem a cometer crimes futuros”, as tecnologias de identificação genética retroalimentam o caráter seletivo das práticas punitivas, constituindo um círculo vicioso formado pela captura policial, a condenação judicial e a suspeição antecipada da reincidência criminal.


Fotografia 51 - Um dos primeiros registros da estrutura molecular do DNA, realizado por técnica de difração de Raio X pela biofísica Rosalind Franklin, em 1952
O Banco Nacional de Perfis Genéticos (BNPG) é mantido e coordenado a partir das articulações institucionais entre a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), departamentos estaduais de polícia técnico-científica, autoridades penitenciárias federais e estaduais e laboratórios periciais de Genética Forense.




Relatos de pessoas presas submetidas à coleta de material genético sinalizam procedimentos abusivos e ausência de informações a respeito da finalidade e implicações jurídicas de tais procedimentos.


Edson (nome fictício) relata que teve seu material genético coletado em uma unidade prisional do estado de São Paulo no início de 2022. Conforme seu relato, os agentes penitenciários o haviam informado que se tratava de exame sorológico de Covid-19. Após o procedimento, Edson teria sido informado que se tratava, na realidade, de coleta de amostra biológica para inserção de seu DNA no Banco de Perfis Genéticos do Estado de São Paulo.
(Defensoria Pública do Estado de São Paulo)


Alessandro (nome fictício) informa que teve seu DNA coletado no ano de 2022. O procedimento era parte da campanha de coleta de amostras genéticas de indivíduos condenados, prevista pelo artigo 9º-A da Lei de Execução Penal. Contudo, ao contrário do disposto em normativa específica (Resolução no 10/CG-RIBPG) que estabelece como procedimento operacional padrão a coleta de células da mucosa oral, Alessandro relata que a extração fora realizada por meio da retirada de sangue. Além disso, Alessandro informa que os próprios agentes prisionais teriam feito a coleta, em detrimento do parágrafo 7º do artigo 9º-A, da Lei de Execução Penal, que preconiza que as amostras devem ser coletadas por ‘perito oficial’.
(Defensoria Pública do Estado de São Paulo)

Campanha de coleta de DNA de pessoas condenadas. Foto: Governo do Mato Grosso do Sul

O resultado foi o rápido crescimento da quantidade de perfis genéticos armazenados no BNPG, com expressiva predominância de perfis de DNA de pessoas condenadas.
Quantidade de perfis de DNA armazenados no BNPG
Distribuição de perfis de DNA
no BNPG em 2024, por categoria

Filtragem racial
A estratégia institucional de fomento aos bancos de DNA a partir dos perfis genéticos de condenadxs tem levado a uma predominância de perfis de pessoas negras pertencentes às classes sociais desfavorecidas nas bases de dados, uma vez que a demografia carcerária brasileira é composta majoritariamente por esta população específica, em decorrência dos procedimentos policiais e judiciais de de seletividade penal.


Atualmente, é relativamente consensual que os estudiosos reconheçam o considerável e documentado viés racial e étnico nos procedimentos policiais, na discricionariedade processual, na seleção de jurados e nas práticas de condenação, em que o perfil racial é apenas a ponta de um iceberg. Se o banco de dados de DNA inclui primordialmente as pessoas que foram afetadas pelo sistema de justiça criminal e se esse sistema operar práticas que rotineiramente selecionam mais pessoas de um grupo do que de outro, haverá uma distorção ou viés óbvio em relação a esse grupo.
(T. Duster, The molecular reinscription of race – tradução nossa).

O atual processo de expansão das bases forenses de dados genéticos no Brasil sinaliza a confluência entre novas tecnologias "modernizadoras" de produção probatória e a manutenção da arbitrariedade e da seletividade do sistema de justiça criminal, agora respaldado por técnicas e discursos de caráter cientificista.
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