
Monitoramento Eletrônico
Em 2010, a lei federal n. 12.258 autorizou o monitoramento eletrônico de pessoas condenadas pelo sistema de justiça criminal brasileiro, sob a justificativa central de que se tratava de uma estratégia para a redução dos altos índices de encarceramento no país. Uma década e meia após a sua autorização legal, os programas de controle eletrônico se espalharam por todo o Brasil, paralelamente à manutenção do crescimento irrefreado da população carcerária.
Anunciados como técnica penal alternativa ao cárcere, os dispositivos de monitoramento eletrônico vêm atuando no Brasil e em praticamente todo o planeta como um vetor tecnológico de ampliação e intensificação dos controles penais, para além dos muros do sistema prisional.
A ultrapassagem de um modelo punitivo circunscrito às práticas de confinamento é efetivada por um movimento de desterritorialização das técnicas de vigilância, convertidas em monitoramento móvel, modular e ininterrupto.
Para isso, invertem-se os termos: ao invés de inserir o corpo do indivíduo em um aparato de controle, instala-se o aparato de controle no corpo do indivíduo. Do corpo na prisão passa-se à prisão no corpo.


Registro dos experimentos iniciais com sistemas de monitoramento eletrônico, realizados pelo Comitê Científico de Experimentação Psicológica da Universidade de Harvard, a partir de 1964. Foto: Robert Gable
Os programas de monitoramento são conduzidos com base em contratos estabelecidos entre as administrações penitenciárias estaduais e federal e empresas privadas que fornecem os aparelhos, softwares, hardwares e apoio técnico-operacional. Trata-se de um novo modelo de privatização da pena que já não se limita aos perímetros da arquitetura prisional.




Não são raros os percalços técnicos e sociotécnicos relatados por pessoas monitoradas e suas/seus familiares. É frequente a ocorrência de falhas nos equipamentos, acarretando sanções regimentais ou extra-regimentais aos indivíduos rastreados – tais como regressões de regime penal, isolamentos em celas de castigo ou agressões praticadas por agentes penitenciários.


Quando eu cheguei aqui os funcionários vieram para cima de mim, me algemando, me batendo e dizendo que eu ia descer pro castigo. Eles disseram que tinha dado problema na pulseira, que tava dando ‘fora de área’. Por causa disso eu fiquei 30 dias trancado no castigo e depois regredi para o regime fechado. Antes, quando eu tava na minha casa na saidinha, deu problema na pulseira. Começou a apitar e acendeu a luz. Deu afastamento, mas eu tava em casa. Aí logo minha mulher ligou pra unidade. Eles disseram que tava normal. Eu perguntei se ia dar problema aquilo. Eles disseram que não. Quando eu cheguei de volta pra unidade, me bateram e me mandaram pro castigo.
(Deivid, monitorado em regime semiaberto na cidade de São Paulo)

No Brasil, o uso de tornozeleiras eletrônicas ganhou visibilidade a partir de sua aplicação em políticos e empresários envolvidos nos chamados “crimes do colarinho branco”. Contudo, a ampla maioria das pessoas monitoradas no país é composta por indivíduos distantes dos grandes circuitos de corrupção e lavagem de dinheiro público. Trata-se de presos e presas em progressão de regime penal ou sob medidas cautelares extra-cárcere, que compõem os grupos historicamente selecionados pelo sistema de justiça penal: pobres, pretos e periféricos.
Conforme os dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o número total de pessoas submetidas a programas de monitoramento eletrônico em 2025 no Brasil era de
121.889
Percentual de pessoas submetidas a prisão domiciliar com monitoramento eletrônico no Brasil em 2024, por gênero

Percentual de pessoas submetidas a prisão domiciliar com monitoramento eletrônico no Brasil em 2024, por cor da pele/raça



Qual a diferença entre essa pulseira e os grilhões dos escravos?
(Thaiane, monitorada em regime semiaberto na cidade de São Paulo)
Um dos efeitos fundamentais do monitoramento eletrônico consiste na produção de corpos marcados sob a insígnia da justiça criminal, reproduzindo mecanismos arcaicos de punição e apropriação de corpos.

Marcação em ferro quente de mulheres escravizadas no Brasil do século XVI. Imagem: Casa Comum


A maior parte dos regimes de monitoramento eletrônico está totalmente alinhada com o paradigma de punição que tem dominado o sistema de justiça criminal por décadas. (...) Está na hora de todxs aquelxs que estão empenhadxs em tentar reverter o encarceramento em massa, ou mesmo aquelxs que desejam levar a justiça criminal a uma direção menos punitiva, darem uma olhada nos programas de monitoramento eletrônico antes que acabemos com milhões de pessoas monitoradas em condições draconianas e não regulamentadas.
(James Kilgore, Electronic Monitoring and Parole in the Age of Mass Incarceration – tradução nossa)

O monitoramento eletrônico tem sido aplicado no Brasil de maneira complementar ao cárcere, impulsionando a ampliação e a intensificação dos controles penais, sem favorecer o anunciado processo de redução da superpopulação prisional brasileira. Crescem os índices de encarceramento, concomitantemente ao incremento da quantidade de pessoas submetidas a programas de controle eletrônico remoto.
Jovem monitorado no Distrito Federal. Foto: Globo
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